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Cotidiano

Atenção à Gagueira: falar é ato de resistência e coragem para quem enfrenta condição

Data visa frear a desinformação e contribuir com a promoção de espaços inclusivos e acesso ao tratamento adequado. Em MS, acompanhamento é oferecido pelo SUS
Idaicy Solano -
Mariana aprendeu a superar desafios da fala e se tornou jornalista, apresentadora e atriz (Foto: Arquivo Pessoal)

No Dia Internacional de Atenção à Gagueira, celebrado nesta quarta-feira, 22 de outubro, especialistas e pacientes reforçam a importância da informação, do tratamento especializado, e, principalmente, a valorização da voz de quem gagueja. A condição, ainda cercada de estigmas e preconceitos, é um distúrbio neurobiológico que, apesar de não possuir cura, pode ser tratado, promovendo qualidade de vida e autoconfiança. 

A gagueira é frequentemente associada a nervosismo, insegurança ou falta de preparo, quando na verdade, está ligada a uma condição genética e multifatorial. A perpetuação de estereótipos e atitudes preconceituosas podem afetar o desempenho escolar, oportunidades no mercado de trabalho e a saúde mental de quem gagueja, causando episódios de ansiedade, e desmotivação. 

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A data em que se celebra o Dia Internacional de Atenção à Gagueira tem como objetivo frear a desinformação e contribuir com a promoção de espaços inclusivos e acesso ao tratamento adequado, destacando a importância da intervenção precoce de especialistas. 

Além disso, especialistas reforçam que, quanto antes o acompanhamento, melhor o resultado do tratamento e impacto na vida social e saúde psicológica dos pacientes. Alguns dos tratamentos mais comuns incluem terapia fonoaudiológica e acompanhamento psicológico. 

A prática de teatro, canto e frequentar grupos de apoio também são exemplos de estratégias que contribuem para a autoestima, o desenvolvimento interpessoal e a qualidade de vida das pessoas que gaguejam.

“Eu me pegava olhando para o nada, desejando não ser gaga”

A jornalista Mariana Rissão relata que notou suas dificuldades na fala ainda criança, ao se identificar com um colega de escola que sofria bullying por caixa da gagueira. “Eu me pegava olhando para o nada, desejando não ser gaga”.

A jovem compartilha que chegou a fazer dezenas de promessas, simpatias e a desejar muito que fosse ‘curada’. Esse comportamento a afastou de seus objetivos e do caminho que desejava trilhar, pois sentia que só poderia viver a vida que almejava se conseguisse se livrar da gagueira. Este cenário só mudou em 2021, quando sua esposa — na época namorada — a ajudou a aceitar a gagueira. 

“Sempre ficava falando ‘quando eu não for mais gaga eu vou fazer tudo o que eu tiver vontade’. E ela viu que não ia acontecer porque eu sou gaga e eu ia ser gaga para sempre. Então ela pegou nos meus dois ombros e falou ‘você é gaga, não tem jeito aceita isso’. Foi muito difícil na época, mas foi essencial para eu ir atrás de informações sobre gagueira e de tratamentos que me ajudassem”, relembra a jovem. 

Atualmente, Mariana conta com o acompanhamento de uma fonoaudióloga especialista, terapia, além de praticar canto e teatro, que a ajudaram a desenvolver técnicas para lidar com a gagueira. “Estou tentando tornar ela a minha força e não a minha fraqueza, como muitos falam que é”. 

Desinformação foi entrave na trajetória de Mariana 

Ainda na infância, Mariana chegou a ser levada a uma fonoaudióloga, que atribuiu, erroneamente, a sua condição à ansiedade. Isso fez a jornalista acreditar por anos que o ‘problema’ estava nela, por não saber lidar com as próprias emoções.  Ao longo da adolescência, até o início da fase adulta, a gagueira dificultou a sua comunicação, e a fez até pensar em desistir do sonho de cursar e frequentar as aulas de teatro, áreas pelas quais a jovem é apaixonada. 

“Dizer que eu só gaguejava porque eu era ansiosa atrapalhou muito, porque por anos da minha vida eu achei que o problema estava em mim. Mas não. Então durante todos esses anos, na escola, no trabalho, tudo foi muito difícil, porque eu fiquei buscando a cura até descobrir que não existe cura para aquilo que não é doença”, expressa. 

Mariana só foi ter contato com uma fonoaudióloga especialista em gagueira aos 21 anos de idade, e hoje entende que o tratamento para sua condição é multidisciplinar, sendo essencial o envolvimento também de psicólogos. “O posicionamento dessa fonoaudióloga deixou nítido que, até mesmo dentro da classe de fonoaudiólogos, há muita desinformação sobre a gagueira. Se naquela época ela tivesse me explicado que a gagueira é neurológica, que é genética, que não é só ansiedade como muitas pessoas pensam, tenho certeza que a minha vida teria sido muito mais fácil”.

Jovem encontrou acolhimento no teatro (Foto: Arquivo Pessoal)
(Foto: Arquivo Pessoal)

A jornalista compartilha que encontrou uma fonoaudióloga especialista pela internet, a um preço acessível, graças a uma indicação. A profissional foi essencial para que Marina compreendesse melhor a disfluência e ensinou técnicas e exercícios específicos que ajudaram a se sentir mais confortável ao falar.

Mariana também buscou terapia psicológica para lidar com tristeza e ansiedade relacionadas à gagueira, e acompanhamento com uma médica psiquiatra, que prescreveu medicação específica para sua condição. As aulas de canto e teatro também foram fundamentais no desenvolvimento da voz, corpo e controle da fala. 

A desinformação fomenta o preconceito 

A jornalista avalia que ainda existe muito preconceito e falta de informação sobre a gagueira. Em partes, isso acontece porque a condição é estereotipada, reduzida à repetição de sílabas, cena comumente retratada em personagens gagos ambientados em desenhos animados e produções audiovisuais. 

A realidade, no entanto, é muito diferente da apresentada por personagens populares, como o ‘Gaguinho’, do Looney Tunes, por exemplo. Mariana explica que a gagueira envolve prolongamento de sons, bloqueios, alterações no ritmo e esforço para evitar a disfluência. Em alguns casos, mesmo que uma pessoa consiga gaguejar de forma controlada e fluente, ainda existem desafios internos. 

“Várias vezes eu passo como fluente porque as pessoas não conseguem notar que falo algumas sílabas mais fortes, que pauso para falar, que falo mais lento para conseguir lidar melhor com a disfluência. A gagueira não é só o que você tá escutando, ela também é tudo aquilo que a gente faz quando a gente tenta não gaguejar. Se eu vou mandar um áudio, eu gravo mil vezes antes de mandar e às vezes eu nem consigo enviar. Quando eu vou pedir um pão na padaria, no caminho da padaria eu já tô ensaiando como que eu vou fazer isso”, relata Mariana. 

“Tenho orgulho de ser quem sou” 

“A gagueira faz parte de mim, mas ela não me define. Ela não pode me calar e nem me impedir de fazer nada, como quase fez por muitos anos, quando eu falava que eu queria ser jornalista, atriz, e perguntavam ‘por que que você não pensa outra coisa’, ou quando eu ia falar com alguém e a pessoa ria de mim porque eu estava gaguejando, me imitava. Essa data que lembra que a minha voz merece espaço e merece ser escutada. Para mim, essa data representa acolhimento, pertencimento e orgulho de ser quem eu sou.”, Mariana Rissão, jornalista, apresentadora e atriz.

Mariana com a bandeira e o broche da conscientização gagueira (Foto: Arquivo Pessoal)

Mariana ressalta que o Dia Internacional da Consciência e Atenção à Gagueira é importante para dar visibilidade a uma condição que ainda é cercada  de mitos e preconceitos. A data também serve para inspirar outras pessoas que gaguejam a valorizarem suas vozes e perceberem seu potencial, mesmo diante das pausas e desafios da fala.

A jornalista acrescenta que, para que a sociedade possa compreender melhor a gagueira, é necessário escuta e informação. Muitas pessoas ainda associam a gagueira à insegurança, nervosismo ou falta de capacidade, sem perceber que, na verdade, se trata de uma condição neurológica, genética e multifatorial. 

Mariana cita que a conscientização precisa ser trabalhada em ambientes como escolas e empresas, e amplamente divulgada nas mídias, como forma de ajudar a reduzir preconceitos e incentivar a inclusão social, especialmente no mercado de trabalho, onde a comunicação oral é valorizada. Para as pessoas que, assim como ela, gaguejam, ela aconselha a buscar informação e tratamento especializado, e entender que a gagueira não é um defeito.

Condição está ligada à um distúrbio de fluência

A gagueira é definida pela Fonoaudiologia como um Distúrbio da Fluência da Fala ou Disfemia. A condição impacta a comunicação e as áreas afetivo-sociais da pessoa, podem acarretar em episódios de ansiedade e medo de falar. Conforme o fonoaudiólogo Claudinei Portela Rodrigues, a gagueira não é uma doença, e sim um distúrbio da fluência de caráter multifatorial. A manifestação da gagueira pode ser influenciada por uma combinação de fatores, incluindo componentes hereditários, neurobiológicos e motores. 

De acordo com o especialista, o distúrbio está associado a um funcionamento atípico das redes neurais, especificamente as células nervosas envolvidas no controle e na automatização dos processos da fala. “Essa Disfunção Neurológica subjacente é o que acarreta os bloqueios, repetições e prolongamentos que são as características centrais desse distúrbio da comunicação”.

Existe, ainda, uma diferença entre a gagueira infantil e a que persiste até a vida adulta. Em crianças, a condição geralmente é transitória e em boa parte dos casos, a recuperação acontece naturalmente. Já a gagueira persistente, que acompanha o paciente ao longo da vida, é muitas vezes associada a uma condição crônica. 

“A gagueira infantil pode manifestar-se como repetições de sílabas e sons, enquanto na vida adulta a condição pode ser mais complexa, com a participação de fatores psicológicos e sociais, como ansiedade, e uma maior consciência do problema”, acrescenta. 

Avaliação e diagnóstico 

As abordagens mais atuais e eficazes no tratamento da gagueira incluem terapia da fala (fonoaudiologia), que combina técnicas para melhorar a fluência; terapias psicológicas, como a TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental); e intervenções baseadas em atenção plena. 

O tratamento é, frequentemente, multidisciplinar, incluindo a orientação de profissionais como fonoaudiólogos e psicólogos. Em casos atípicos, como de gagueira neurogênica, por exemplo, ou quando há necessidade de investigação mais aprofundada da base neurobiológica, também é necessária a consulta com neurologista. 

O processo de avaliação e diagnóstico fonoaudiológico envolve:

  • Anamnese -> Entrevista detalhada com o paciente ou responsáveis;
  • Avaliação clínica -> Observação do comportamento, habilidades orais como mastigação fala, e funções de comunicação 
  • Testes padronizados e exames complementares -> Para investigar habilidades específicas, como a audição ou processamento auditivo.

O profissional utiliza essas informações para formular um diagnóstico fonoaudiológico, que pode requerer a colaboração de outros especialistas e a solicitação de exames adicionais.

A duração de um processo terapêutico é variável, podendo durar de algumas semanas a vários anos, dependendo dos objetivos, da gravidade dos problemas e do ritmo individual de cada pessoa. É possível observar progressos logo no início,com algumas pessoas sentindo alívio nas primeiras semanas, enquanto outras precisam de mais tempo para notar mudanças significativas.

Fonoaudiólogo Claudinei Portela Rodrigues (Foto: Arquivo Pessoal)

Gagueira não tem cura 

Conforme o fonoaudiólogo Claudinei Portela Rodrigues, a gagueira não tem cura definitiva, principalmente em casos persistentes em adultos, porque a condição costuma ter uma base neurobiológica. No entanto, com tratamento adequado, é possível conquistar qualidade de vida e autoconfiança. 

O objetivo primário do tratamento fonoaudiológico é: 

  • Promover fluência: aumentar o tempo e a qualidade fala fluente, ensinando técnicas para falar de maneira mais suave e controlada;
  • Melhorar a comunicação: reduzir o impacto negativo da gagueira, tratando sentimentos de medo, vergonha e evitação. 

Acesso ao tratamento pelo SUS 

Conforme a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde), o primeiro passo para conseguir tratamento para a gagueira por meio do SUS (Sistema Único de Saúde), é solicitar uma avaliação em uma unidade da Atenção Primária em Saúde, que funciona como porta de entrada para o sistema. 

A partir dessa avaliação, o médico poderá encaminhar o paciente para atendimento especializado em fonoaudiologia, conforme critérios clínicos e regulatórios estabelecidos. O encaminhamento é feito por meio do Sisreg (Sistema de Regulação), que organiza o acesso aos serviços especializados conforme a disponibilidade da rede. No entanto, não há um ambulatório exclusivo para o tratamento da gagueira, pois o atendimento é ofertado de maneira integrada, de acordo com as demandas de cada caso.

A Semed (Secretaria Municipal de Educação) acrescenta que, no caso das crianças, a escola pode realizar o encaminhamento do aluno para atendimento fonoaudiológico. “A escola realiza uma reunião pedagógica, juntamente com este profissional, envolvendo a equipe escolar e os responsáveis, com o objetivo de compreender as especificidades do aluno e desenvolver estratégias que favoreçam sua aprendizagem, socialização e bem-estar”. 

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