No início desta semana, o banco Itaú demitiu cerca de mil funcionários que atuavam em regime híbrido ou remoto (home office). Segundo a instituição, as demissões ocorreram devido à ‘baixa aderência ao home office’, identificada a partir do monitoramento das máquinas corporativas, tempo de inatividade e registros de jornada. A decisão, no entanto, reacendeu o debate sobre os limites da vigilância digital no trabalho.
O monitoramento, segundo o banco, durou mais de seis meses e apontou inatividade nas máquinas corporativas e inconsistências nos registros de jornada. Todos os trabalhadores demitidos eram de São Paulo.
O home office refere-se à prática de realizar atividades laborais remotamente, utilizando TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação). Isso engloba o uso de dispositivos como computadores, tablets, telefones fixos ou móveis para a execução das tarefas profissionais.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgados em 2022, apontam que aproximadamente 7,4 milhões de pessoas estavam envolvidas em teletrabalho.
Monitoramento e legalidade
Mas empresas podem instalar softwares de monitoramento nos computadores corporativos para controlar jornada, produtividade e segurança da informação? A advogada trabalhista Camila Marques esclarece que sim, a legislação brasileira permite que o empregador fiscalize e monitore as atividades dos funcionários, inclusive em home office. No entanto, há limites, e essa fiscalização não pode violar a intimidade e a vida privada do trabalhador.
“A empresa não pode acessar dispositivos pessoais, gravar a tela sem aviso ou usar câmeras dentro de casa. O limite está em manter o controle apenas sobre as ferramentas de trabalho, de forma proporcional e transparente, sempre com ciência do empregado”, explica.
Poder de direção e demissões
No caso do Itaú, as demissões, apesar de causarem impacto pelo número elevado de dispensas, estão em conformidade com a legislação trabalhista, que garante ao empregador o chamado “poder de direção”, ou seja, o direito de organizar e fiscalizar a execução do trabalho, inclusive em regime remoto.
“Se houver descumprimento das obrigações contratuais — como falta de produtividade, por exemplo —, a empresa pode optar pela dispensa, inclusive por justa causa, desde que adotada a condução correta”, afirma a advogada.
Ela explica ainda que, devido ao volume de desligamentos, a ação pode ser classificada como demissão em massa. “São consideradas demissões em massa pela quantidade de funcionários dispensados em um único ato. Além disso, houve movimentação dos sindicatos dos trabalhadores sobre essa demissão.”
Apesar disso, ela destaca que, por não se tratar de demissões por justa causa, os trabalhadores dispensados mantêm todos os direitos previstos na legislação.
“Embora coubesse demissão por justa causa, a empresa teria que advertir antes. Por isso, cabe o pagamento de aviso-prévio, 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais, saldo de salário, além do saque do FGTS e da multa de 40%”, detalha.
Já quando ocorre uma demissão sem precedentes, o sindicato da categoria e o Ministério do Trabalho desempenham um papel fundamental no acompanhamento dos casos. “Eles têm o papel justamente de acompanhar se a demissão está sendo feita da forma legal, se todos os direitos estão garantidos e se está tudo conforme a legislação e a convenção coletiva. Isso tanto para não ocorrer injustiças quanto para que o impacto social seja o menor possível”, explica a advogada.
Sindicato alega falta de diálogo

Mesmo as demissões estando em conformidade com a lei, o Sindicato dos Bancários de São Paulo repudiou a decisão do Itaú. Segundo a entidade, os trabalhadores foram demitidos sem advertência prévia e sem diálogo com o sindicato.
“Apesar do banco alegar queda de produtividade para justificar as mil demissões, o número excessivo de desligamentos caracteriza demissão em massa. Isso é desproporcional e injustificável”, destaca a nota.
Neiva Ribeiro, presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, afirmou ser preciso estabelecer limites claros para a vigilância digital. “Esse tipo de prática pode gerar pressão excessiva, afetar a saúde mental e criar um ambiente de trabalho opressivo”, disse.
Além disso, a entidade afirmou que pretende recorrer da decisão. “O sindicato não aceitará que o Itaú, maior banco privado da América Latina e que lucrou R$ 22,6 bilhões no primeiro semestre de 2025, use o teletrabalho como justificativa para demissões em massa”, completou Neiva.
Limites do home office
Apesar das controvérsias, Camila Marques considera que a decisão do banco abriu um debate importante sobre os limites do home office e do monitoramento.
“Essa, com certeza, foi uma demissão pensada, teve todo um tempo de investigação para saber como estava a produtividade no home office. Viram que havia funcionários muito tempo inativos, abusando do regime remoto. Antes, o home office era visto como algo maravilhoso, mas há funcionários que não sabem aproveitar”.
Ela analisa que a ação do Itaú foi estratégica e também teve ‘efeito pedagógico interno’. “O impacto no volume de demissões em uma empresa não é baixo. Além da necessidade de repor mão de obra, há impacto financeiro. Avaliaram o que era mais prejudicial: manter a baixa produtividade ou enfrentar as consequências das demissões. Acredito que também foi um recado para os demais colaboradores, a empresa acompanha de perto o trabalho remoto e não tolera falta de desempenho. Isso aumenta a responsabilidade de quem ficou”, conclui.
Impactos em Mato Grosso do Sul
Embora as demissões não tenham afetado trabalhadores de Mato Grosso do Sul, o Sindicato dos Bancários do Estado ressalta que, após a reforma trabalhista, as empresas não são mais obrigadas a homologar desligamentos nos sindicatos, o que dificulta ter um panorama atualizado do setor.
“Essa mudança torna muito difícil levantar dados locais precisos”, afirmou a entidade.
Além disso, o setor bancário brasileiro registra, desde 2013, uma redução significativa de quase 91 mil postos de trabalho, segundo levantamento do Caged. Somente em 2024, a Pesquisa do Emprego Bancário, elaborada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos), identificou a redução de 6.198 empregos no país.
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(Revisão: Dáfini Lisboa)