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Cotidiano

Margot bate no peito para criticar projeto que pretende ‘limpar as ruas’ da Capital

'Para todos eles, eles são perfeitos e nós imperfeitos. Nós somos sujos', afirmou a ex-empresária, hoje moradora de rua
Vinicios Araujo -
Pessoas em situação de rua Centro Pop fechado (Foto: Helder Carvalho, Jornal Midiamax)

Margot Ferreira Simplicio, 44 anos, é uma mulher trans de fala potente. Sentada sobre a calçada da Rua Joel Dibo, em frente ao Centro POP de portas fechadas, ela não se importa em ter a identidade exposta, nem mede palavras ao relatar os desafios que enfrenta ao lado de uma dezena de pessoas em situação de rua. 

Enquanto acolhe e responde às dúvidas da reportagem, costumeiramente desafiada em pautas que demandam entrevistas dessa natureza, Margot faz questão de organizar as ideias e não ser malcompreendida. Ela assumiu, naqueles dez minutos de apuração jornalística, a representação por aqueles que, sob efeito do sono, do álcool e das drogas, não se encontram capazes de oferecer informações úteis para explicar o que os levou até aquela fria calçada.

A pauta era sobre suposta desassistência às pessoas em situação de rua aos fins de semana, mas se tornou, também, palco para a escuta valiosa do lado mais impactado pelo de autoria dos vereadores Rafael Tavares (PL) e Fábio Rocha (União Progressista), que prevê internação forçada a usuários de drogas em Campo Grande. A proposta foi aprovada na Câmara, mas vetada pela prefeita Adriane Lopes (União Progressista) nesta semana. O veto será debatido nos próximos dias na Casa de Leis, e a promessa é de esforço máximo para derrubada da decisão.

Pessoas em situação de rua em frente ao Centro POP fechado. (Foto: Helder Carvalho, Jornal Midiamax)

Enquanto dobra roupas, Margot relata ser uma artista e profissional da estética, que escolheu a rua como lugar de impacto social. “Eu escolhi a rua, sabe pra quê? Pra ajudar pessoas. E até hoje ninguém quis me ouvir. Eu escolhi a rua. E que dia que eu tive voz? Esta é a primeira vez”, afirmou a ex-proprietária de um salão de beleza em Betim (MG). 

Margot não aceita que a situação em que se encontra anule sua história. De forma incisiva, ela detalha sua origem. Mineira, cabeleireira, maquiadora, gastrônoma, confeiteira. Fez questão de destacar ainda que é neta de fundadora de igreja batista no estado mineiro, além de ter um filho, de sete anos, a quem criou até setembro do ano passado, quando decidiu entregar aos cuidados da mãe. Ela exalta sua história com o objetivo de tornar ainda mais consciente qual é o ponto de partida no debate em torno das políticas de enfrentamento às drogas.

“Primeiro a gente tem que começar pelo fator ‘por quê’. O porquê de cada um chegar à droga, ao crack. Porque cada um aqui tem a sua história. Ninguém chega ao vício por uma receita. Todos nós chegamos porque alguém, em algum momento, necessitou se ocultar ou se preservar psicologicamente, afetivamente e fisicamente”, afirmou.

A família de Margot, que hoje decide acompanhar sua situação sem envolvimento, em razão da dificuldade de resgatar a cabeleireira das ruas e das drogas, teve sua formação diretamente impactada pela responsabilidade da mulher trans. Ao Jornal Midiamax, ela conta ter criado cinco irmãos, hoje todos empresários. “Isso é verídico. Basta você entrar na minha rede social ou ligar para minha família”, recomenda, como forma de respaldar a credibilidade das palavras.

Pessoas em situação de rua em frente ao Centro POP fechado. (Foto: Helder Carvalho, Jornal Midiamax)

Há quatro meses em , dos quais nos últimos 30 dias faz das ruas da Capital sua moradia, Margot afirma que o Estado é o pior já conhecido desde que ocupou calçadas pelo Brasil. Após vivências desde regiões ribeirinhas ao nordeste do país, em MS ela encarou a realidade que já é reafirmada com frequência por quem vem de fora. 

“Conheci lugares de pessoas pobres, que não têm o que comer. Nem a água chegava. E nunca estive em um estado que não assistia, que não foi acolhedor. Pelo contrário, um bom dia aqui é muito difícil, um boa tarde… Uma informação então, para se chegar a algum lugar, pior ainda”, descreve.

Falando por si, mas sob a validação e o olhar atento de quem dividia a calçada ao seu lado, Margot faz questão de desconstruir o preconceito atribuído a quem se encontra na situação em que ela vive.

“A gente pode ser o que for, mas nós somos cordiais, educados. Não vou falar por todos, mas por mim. Aí vão chegar e me internar? Vão me prender, me amarrar? Será que seria justo? Nem todos que usam a droga, o crack, roubam ou cometem crimes. Se eu uso com o meu trabalho, com o meu suor, que mal ou qual o problema que estou fazendo na sociedade?”, questiona.

Talvez, para elaboração do projeto de lei, considerado pelos moradores de rua como uma política higienista, tenha faltado justamente ouvir o lado mais relevante da história. 

Pessoas em situação de rua em frente ao Centro POP fechado. (Foto: Helder Carvalho, Jornal Midiamax)

“Por que não estão de olho lá no banco, na mão do colarinho branco, que sustenta o tráfico, o narcotráfico, mantendo as fronteiras abertas? Internem ele. Já pensamos nisso? Não sou eu que crio a maldição [as drogas]. Então se ela entra, é porque ela entra por uma porta grande. E por essa porta grande tem pessoas ganhando muito. E quem paga somos nós, usuários. É muito fácil chegar e limpar a rua, tirar os vermes, os bichos. Porque, para todos eles, eles são perfeitos e nós imperfeitos. Nós somos sujos. Nós somos a poeira da terra. Eles trabalham, eles não pecam, não têm adultério, não têm mentira, não têm roubo, não têm falcatrua, não têm engano, não tomam remédio controlado, que é droga do mesmo jeito. E aí, nós, que somos a sujeira, o verme? Aí eles vão passar a cidade à limpa, mas os vermes, os doentes, continuam andando com roupas limpas e cheirosas, comendo bem, dormindo bem. E aí? Quem não tem pecado que ‘atinge’ a primeira pedra, meu irmão”, questiona a moradora de rua, enquanto estapeia o peito com as mãos sujas pela falta de banho naquela manhã.

Margot aproveitou a oportunidade inédita da reportagem para questionar a propriedade da rua. “Você é dono da rua? Eu sou? E os senhores?”, disse, ao relembrar ter cuidado do pai e da mãe até o falecimento do casal.

“Ah, cara, me poupe. Eu tenho história, eu tenho know-how. Eu tenho culhão. Aí agora vai escolher se eu posso andar na rua ou não? Eu tô roubando alguém aqui? Pergunta aí na cidade, desde que cheguei”, afirma.

A reportagem conseguiu contato com a família de Margot. Uma postagem datada de abril deste ano disponibilizava o telefone de uma parente, que prometeu retornar após cumprir as atividades domésticas e relatar mais da história dessa personagem atípica, mas existente, entre as vozes das ruas. 

“Ela teve uma vida digna, mas optou por jogar tudo fora. Temos notícia dela, sim, mas não ajudamos mais, pois só quer dinheiro para as drogas, e infelizmente não compactuar com isso”, afirmou a familiar.

A promessa por mais detalhes da vida de Margot não se cumpriu até o fechamento da matéria, mas as poucas palavras escancaram o dilema de milhares de famílias que seguem de mãos atadas, vítimas também do desamparo do Poder Público e pressionadas pela falta de políticas efetivas que, em vez de reforçar, encarem o preconceito que segrega essa parcela da população.

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