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Consumidor

Whisky caro, salas chiques e ‘engravatados’: conheça a arquitetura do golpe que usa jovens em MS

Golpe da carta contemplada e falso consórcio faz vítimas em Campo Grande e crime começa a migrar para o interior de MS
Nathália Rabelo -
Golpe em Campo Grande
Empresas usam jovens e adolescentes para os golpes (Foto: Ilustrativa/ Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Imagine a seguinte situação: você, consumidor, tem interesse em comprar uma moto, carro ou casa e, inesperadamente, um anúncio muito vantajoso aparece no seu celular. Você inicia uma conversa com o vendedor, é convidado a comparecer à sede da suposta empresa, onde é recebido com whisky de marca, pessoas engravatadas e até balinhas num ambiente que transmite segurança e conforto. Até que te apresentam um bom negócio, você topa o ‘investimento’, faz o Pix e, uma semana depois, percebe que o valor sumiu junto com o suposto vendedor.

Frequentes em Mato Grosso do Sul, os golpes do falso consórcio são verdadeiros negócios feitos com engenharia social a partir do aliciamento de jovens que buscam o primeiro emprego. Assim, o combate a esse crime é um dos principais focos do junto à Decon, que hoje investiga novas ramificações do golpe. 

Em entrevista ao Jornal Midiamax, o delegado da Decon (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo), Reginaldo Salomão, explicou que o golpe do falso consórcio é dividido entre estelionato e crimes contra relação de consumo. Dessa forma, os estelionatários, que são as cabeças pensantes do esquema, vão atrás de meninos jovens – muitas vezes que desconhecem o mundo do crime – para usar as , onde a maioria dos anúncios são feitos. 

Delegado Reginaldo Salomão, da Decon
Delegado Reginaldo Salomão, da Decon (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

“Os indivíduos responsáveis pelo negócio contratam jovens, normalmente primeiro emprego, muitas vezes até adolescentes, na faixa etária de 18 a 20 anos. Prometem a esses jovens que depois de 3 a 4 meses eles serão registrados, salário mínimo, comissão, podendo chegar ao cargo de supervisor gerente em torno de um ano e ganhar a R$ 10 mil por mês. A única exigência é que esses jovens tenham vida social nas mídias ativa e um número grande de seguidores. Então, esses jovens são incitados a utilizarem o aparelho celular e suas contas no Facebook, Instagram e assim sucessivamente”, explica.

Uma vez online, esses jovens iniciam a ‘pescaria’. Captam imagens de produtos – veículos, imóveis, maquinários agrícolas, por exemplo – de outros Estados, especialmente norte do país, para publicar anúncios de vendas falsas em plataformas digitais, como redes sociais e marketplaces.

Quando a pessoa clica no produto, ela é direcionada para uma conversa no WhatsApp com esse jovem. Depois, ele oferece aquele produto, cria o desejo de consumo e convida a pessoa a comparecer ao escritório para fecharem o negócio.

Espaços luxuosos em áreas nobres

Depois que a ‘primeira isca foi jogada’, começa então o teatro com objetivo de convencer o comprador que se tornará uma vítima. Para isso, normalmente os golpistas instalam os escritórios em localizações privilegiadas, como prédios comerciais em áreas nobres de , com decorações luxuosas, para transmitir confiança ao consumidor.

“O escritório é sempre muito bem montado, tem whisky importado e com todo mundo trabalhando de terno e gravata. Uma vez lá, os negociadores avisam que o veículo, por exemplo, já foi vendido, mas que a pessoa poderia aproveitar outras modalidades da empresa, como autofinanciamento que seria carta de crédito contemplada, que é uma coisa que não existe”, reforça o delegado. 

A possibilidade de adquirir uma carta de crédito contemplada, ou seja, com o valor integral para a compra do bem, é vendida como benefício para que a pessoa consiga comprar outros veículos em condições mais vantajosas do mercado.

Patrícia Mara Silva, responsável pela coordenação interina do Procon-MS, dá detalhes de como funcionam esses espaços por dentro. Além de funcionarem em locais privilegiados da cidade, como na Rua 13 de Maio e Avenida Afonso Pena, o negócio funciona em espaços separados. 

“Eu já fui em vários desses negócios para fiscalizar e o modelo é o mesmo. É sempre essa gurizada de 18 anos em duas salas alugadas no prédio. Uma no 5º e outra 6º andar, por exemplo. Nesta segunda sala, tem cerca de 20 meninos com notebook só nas redes sociais e aquelas metas de 1 milhão, troféu, metas de vendas. Mas não é essa sala que atende a vítima, é a outra. Muito bonita, oferecem balinha e tem até parede marmorizada”, diz Patrícia.

A partir disso começa a ilusão. Muitas vezes o estelionatário tem contrato com algum representante credenciado de uma empresa real de consórcio e promete ao consumidor que a carta já está contemplada e que a liberação de valores ocorrerá de três a 10 dias após o pagamento de um valor inicial.

No entanto, o que a vítima normalmente assina é um contrato de consórcio. 

“Nesses casos, a pessoa adquire acreditando que vai sair em 10 dias, eles inscrevem essa pessoa numa empresa regular de consórcio. Então a vítima é reprovada na conferência da empresa ou a pessoa, por falta de informação, não dá seguimento. O dinheiro da entrada é devolvido para o estelionatário, que fica com o dinheiro”, informa o delegado. 

Procon combate crime de estelionatário
combate crime de estelionatário (Foto: Nathalia Alcântara/Midiamax)

Operação para acabar com quadrilhas

À frente da Decon, Reginaldo ainda explica que o golpe se tornou popular em Mato Grosso do Sul a partir de 2019, vindo de outros estados. 

“Esses indivíduos abriram essas empresas. Eles têm CNPJs, alguns têm mais de 20 CNPJs, e muitos desses jovens contratados são vítimas também porque são incitados a abrirem uma empresa porque eles driblam a justiça do trabalho”.

Dessa forma, a Polícia Civil e o Procon fizeram trabalho pontual com a força-tarefa para desarticular a quadrilha que atuava nesse setor. Na época, cerca de 60 pessoas foram identificadas, indiciadas e tiveram suas empresas lacradas. 

Jovens também são vítimas do golpe

Salomão ainda reforça que muitos dos jovens contratados por essas empresas sequer entendem que fazem parte do golpe também. 

“Muitos jovens, quando tomaram ciência que participavam de um golpe, vieram aqui, denunciaram e foram incluídos como testemunhas, porque eles não tinham ciência. Nos primeiros casos, muitos pais de família vieram aqui perguntar o que deveriam fazer”.

Golpe começa a migrar

Ainda conforme a Decon, os golpes são crimes que nunca param e os responsáveis sempre encontram novas formas de atuar. Agora, equipes começam a investigar a migração desses negócios para o interior de Mato Grosso do Sul, bem como para os shoppings centers. 

À frente da coordenação do Procon, Patrícia ainda reforça que essas empresas especializadas em golpes possuem CNPJs recentíssimos, muitas vezes sem alvará, e grande parte delas já está sendo fechada porque se tornaram famosas na Capital. 

“Depois que eles conquistam um dos meninos, por exemplo, o estelionatário convida ele para abrir uma franquia, aí se inicia um novo predador. A partir dele, surgem novos golpes. Está na moda isso: criar empresa para enganar”, explica a especialista. 

O que fazer nesses casos

Os especialistas reforçam que, para evitar de cair nesses golpes, o consumidor precisa ficar atento de onde vai depositar o dinheiro, bem como desconfiar de todas as propostas que parecem muito vantajosas. Além disso, pesquisar o histórico da empresa e o CNPJ também é válido. 

Outra medida igualmente importante é ler atentamente o contrato. Se mesmo assim você ainda quiser fazer um consórcio, recomenda-se buscar empresas regulamentadas pelo Banco Central. Você pode fazer essa busca clicando aqui.

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